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Diabetes, Síndrome Metabólica e a Covid-19


Diabetes Mellitus (DM; ICD-10 E08-E013) define um conjunto de doenças metabólicas com diferentes características moleculares, mas que tem em comum a disglicemia, quando inapropriadamente controlada (Lima 2017). Por disglicemia entende-se falha na regulação da glicemia, podendo tanto ser muito elevada quanto muito baixa. Dentre os vários tipos de diabetes, incluindo gestacional e monogênicas (i.e., genética), o DM tipo 1 (DM1) é considerado autoimune e leva a uma rápida perda de células β, responsáveis pela produção de hormônios insulina e amilina, requerendo o uso medicamentoso exógeno. Pacientes DM1 são ainda mais susceptíveis a doenças autoimunes, aumentando riscos de complicações, devido a interação com outras doenças.


DM tipo 2 (DM2) é diagnosticado inicialmente por um achado de hiperglicemia, mas antecipado em mais de uma década por progressiva elevação da resistência insulínica (Tabák et al. 2009) e caracterizado por um quadro de hiperinsulinemia. A trajetória de DM2, quando não tratada apropriadamente para a causa de base (resistência insulínica), pode progredir para extensiva perda de células β e, por fim, requerer insulinização do paciente.


O DM2 está associado a um cluster maior de condições, conhecida como síndrome metabólica (MetS; ICD-10 E88.81), que inclui dislipidemia (elevação de triglicerídeos e baixo HDLc, também elevados apoB e sdLDLc), hipertensão, elevação de circunferência abdominal (associado com adiposidade intra-órgão), hiperinsulinemia, resistência insulínica, inflamação crônica e estado pró-trombótico (Alberti et al. 2009). O DM2 tem elevada prevalência mundial e constitui por si só uma pandemia (“IDF diabetes atlas - 2017 Atlas”). O DM2 não é decorrente necessariamente de obesidade (Taylor & Holman 2015) , podendo ocorrer em pessoas com peso ‘normal’ ou baixo.


As causas de base de cada tipo de DM, assim como o agravamento crônico do quadro metabólico e de função sistêmica devido à disglicemia crônica, podem resultar em graves consequências ao organismo, que progridem lenta e silenciosamente, incluindo, mas não restrito a nefropatias, neuropatias, degeneração micro e macrovascular, além de disfunções metabólicas moleculares que levam à perda da funcionalidade do organismo em respostas fisiológicas.


Lesão renal causada por diabetes pode culminar em insuficiência renal crônica terminal, sendo uma das maiores causas de necessidade de diálise – primeira causa no mundo e segunda no Brasil. Pacientes que fazem hemodiálise, embora tenham alto risco de complicação pela COVID-19, necessitam sair de casa para manter o tratamento dialítico pelo menos 3x por semana.


Outrossim, ainda que aparentemente bem controlado por medicamentos, o indivíduo diabético é susceptível à modulação de seu quadro clínico seja por associação a outras doenças crônicas, seja por situações agudas, como infecção por SARS-COV-2 (COVID-19). Foi encontrada maior prevalência de DM, obesidade, hipertensão e doença coronária em pacientes com COVID-19 que evoluíram para UTI e/ou óbito (Grasselli et al. 2020; S et al. 2020). Infecção por COVID-19 também pode levar à insuficiência renal aguda, com necessidade de diálise durante a internação em Unidade de Terapia Intensiva. A interação entre doença renal e infecção por COVID-19 pode levar a desfechos graves (Cheng et al. 2020). Em outras palavras, o indivíduo pode descompensar o seu quadro de aparente equilíbrio e evoluir para um quadro grave, pela interação entre as doenças e seus tratamentos em condições de emergência ou internação (Apicella et al. 2020).


Ainda que não se tenha encontrado evidências de maior susceptibilidade à infecção por COVID-19 em pacientes com DM/MetS, a associação de DM e COVID-19 mostra maior gravidade do quadro e sua evolução. Dessa forma, entende-se que é premente a necessidade de cuidados extra recomendados pelo Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), e outros órgãos nacionais e internacionais de saúde, e que incluem distanciamento, higiene, medicamentos, alimentação (Wolfson et al. 2020), dentre eles:


  • seguir as metas individuais glicêmicas estabelecidas com a equipe de saúde, com base no controle farmacológico, terapêutico, nutricional e exercícios;

  • seguir estritamente as recomendações alimentares do profissional de saúde, evitando exageros que possam resultar em excursões glicêmicas e, por fim, alteração nas demandas regulares de medicalização;

  • manter o profissional de saúde responsável pelo cuidado devidamente informado quanto a sintomatologia, a qualquer necessidade de alteração e/ou uso de outros medicamentos que não os prescritos, uma vez que alguns deles podem levar a complicações no manejo do DM/MetS, piora de função renal e/ou disglicemia;

  • manter bons hábitos de higiene pessoal e domiciliar, com limpeza de superfície de produtos adquiridos;

  • manter o indivíduo com ocupação e saudável mentalmente: o distanciamento social não significa isolar-se, ao contrário, delinear mecanismos de interação social digital ou com familiares.


E vale lembrar: não temos ainda como impedir do vírus de circular, mas dominamos formas de reduzir os riscos.


Referências Bibliográficas:


Alberti K. G. M. M.; Eckel, R. H.; Grundy, S. M. et al. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation, 2009.

(doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.109.192644)


Apicella, M.; Campopiano, M. C.; Mantuano, M. et al. COVID-19 in people with diabetes: understanding the reasons for worse outcomes. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 2020.

(doi:10.1016/S2213-8587(20)30238-2)


Cheng, Y.; Luo, R.; Wang, K. et al. Kidney disease is associated with in-hospital death of patients with COVID-19. Kidney International, 2020.

(doi:10.1016/j.kint.2020.03.005)


Grasselli G.; Greco M.; Zanella A.; et al. Risk Factors Associated With Mortality Among Patients With COVID-19 in Intensive Care Units in Lombardy, Italy. JAMA Internal Medicine, 2020.

(doi:10.1001/jamainternmed.2020.3539)


IDF Diabetes Atlas. International Diabetes Federation, 2017.


Lima, L. M. T. R. Subclinical Diabetes. Anais Da Academia Brasileira De Ciências, 2017.

(doi:10.1590/0001-3765201720160394)


Gupta, S.; Hayek, S. S.; Wang, W. et al. Factors Associated With Death in Critically Ill Patients With Coronavirus Disease 2019 in the US. JAMA Internal Medicine, 2020.

(doi:10.1001/jamainternmed.2020.3596)


Tabák, A. G.; Jokela, M.; Akbaraly, T. N. et al. Trajectories of glycaemia, insulin sensitivity, and insulin secretion before diagnosis of type 2 diabetes: an analysis from the Whitehall II study. Lancet, 2009.

(doi:10.1016/S0140-6736(09)60619-X)


Taylor, R.; Holman, R. R. 2015 Normal weight individuals who develop Type 2 diabetes: the personal fat threshold. Clinical Science, 2015.

(doi:10.1042/CS20140553)


Wolfson, J. A.; Leung, C. W.; Kullgren, J. T. Food as a Critical Social Determinant of Health Among Older Adults During the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Pandemic. JAMA Health Forum, 2020.

(doi:10.1001/jamahealthforum.2020.0925)


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