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Diabetes Mellitus: o que é e o que fazer a respeito?


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No dia 14 de Novembro celebra-se o Dia Mundial do Diabetes, que visa conscientizar a todos sobre os problemas associados à doença. Com isso, o Observium publica o seu mais novo boletim com a temática: ‘’Diabetes Mellitus: o que é e o que fazer a respeito?’’, com a autoria do Professor Titular da Faculdade de Farmácia da UFRJ, Farmacêutico e Doutor em Química Biológica, Luís Maurício Trambaioli.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de diabetes mellitus (DM) aumentou em quatro vezes de 1980 a 2014. Neste boletim trazemos informações acerca das subclassificações da diabetes mellitus, como a diabetes tipo 1 (DM1), diabetes tipo 2 (DM2) e a DM gestacional, seus fatores de risco, a terapêutica ideal para a doença, o diagnóstico e a prevenção. Não deixe de ler e compartilhar!

Epidemiologia

Segundo a OMS, a prevalência mundial de diabetes mellitus (DM) aumentou em 4 vezes em 35 anos, de 1980 para 20141. Nos EUA, por exemplo, cerca de 10 % da população possui diabetes2, sem considerar os pré-diabéticos ou não-diagnosticados. Esses dados são alarmantes e sugerem um efeito de fatores exposômicos3, além da predisposição genética, no aparecimento da doença.

QUADRO 1


EXPOSÔMA: conceito introduzido por Christopher Wild em 2005, é tido como o conjunto não-genômico de variáveis determinantes biologicamente a quais estamos sujeitos em nosso dia-a-dia, como ambientais, sociais, nutricionais e outros.

Classificação

Diabetes mellitus não é uma só doença. Pelo mesmo nome estão subclassificadas doenças que possuem em comum a disglicemia4, incluídos:

- diabetes tipo 1 (DM1, subtipos DM1a ou autoimune, e DM1b ou idiopática), que envolve a rápida perda de massa de células β-pancreáticas e, portanto, a diminuição de produção dos hormônios insulina e amilina, o que ocorre com maior prevalência em crianças e adultos jovens.

- diabetes tipo 2 (DM2), uma doença que tem por fundo a resistência insulínica, sendo mais comum em adultos mas estando cada vez mais presente em indivíduos mais jovens incluindo crianças.

- DM gestacional, assim como as chamadas monogênicas (ou MODY, do inglês mature onset disease of the youth), sendo que MODY apresenta fundo genético autossômico, devido a polimorfismos em proteínas específicas, como por exemplo transportador de potássio (KCN1J – MODY1) ou glucokinase (MODY2).

A classificação anterior do DM, empregada até a década de 1990, foi substituída pela atual descrita acima, por ser então baseada em terapia e não etiologia. Até cerca de 20 anos atrás, DM1 era classificada como diabetes “insulino-dependente” (IDDM, do inglês insulin dependente diabetes mellitus), porque de fato o indivíduo precisa de reposição de insulinas exógenas (medicamento) para controlar sua glicemia, seja para cobrir as respostas glicêmicas pós-prandiais quanto às flutuações glicêmicas de jejum. Tanto o uso inapropriado quanto o não-uso de insulina podem colocar em risco a vida do indivíduo DM1. Esses indivíduos também não possuem amilina circulante, hormônio “gêmeo” (co-secretado pelas células beta) de insulina, mas o único medicamento existente análogo de amilina (denominado pramlintide, ou comercialmente Symlin®) só está disponível, desde 2005, nos EUA.

Por sua vez, DM2 era então denominada diabetes “não-insulino dependente” (NIDDM, do inglês non-insulin dependente diabetes mellitus), mas com a percepção de que a progressão do DM2 leva a expressiva perda de células β-pancreáticas e, portanto, na capacidade de produção e secreção de insulina e amilina, em estágios avançados do DM2 chega-se à necessidade de reposição exógena de hormônio.

DM2 é uma doença ‘silenciosa’. DM2 recente não possui sintomatologia clínica que o deixe alerta de sua doença e de sua gravidade. Entretanto, DM2 há muito tempo com a doença sem controle apropriado estão sujeitos a risco elevado de complicações – essas sim graves - como nefropatia, neuropática, pé diabético, amputação de membros inferiores, complicações microvasculares, além do aumento de outras doenças como câncer e processos neurodegenerativos. A gravidade do DM2 não está no risco imediato, e sim no processo crônico, de anos, ao longo do qual as complicações e comorbidades vão surgindo, até que se manifestam clinicamente - gravemente - causando sérios impactos na saúde física e mental do indivíduo diabético, assim como em seu círculo social, associado a um ônus econômico para o paciente e para os sistemas de saúde público e/ou privado.

Fatores de Risco

Pessoas que possuem histórico familiar de DM1 tem chance elevada de desenvolver DM1, e até o presente não se conhece método de prevenção para tal.

DM2 também não é ainda preditiva pelo histórico familiar. Acredita-se que obesidade seja o maior fator de risco. Entretanto, indivíduos ditos ‘magros’ ou abaixo da faixa de sobrepeso/obesidade também podem desenvolver DM2 se ultrapassarem seu limiar individual de adiposidade5. A hipótese do fenótipo econômico (Thrifty Phenotype) aponta ainda que nascidos com baixo peso devido a desnutrição gestacional estão em maior risco de desenvolverem DM6. DM2 é, portanto, universal em incidência, e pode incidir inclusive em indivíduos de baixo peso.

QUADRO 2


LIMIAR INDIVIDUAL DE ADIPOSIDADE (do inglês Personal Fat Treshold): uma teoria de Taylor e Holman baseado na observação de que cada indivíduo tem um limite individual de adiposidade visceral (intra-orgão, e não apenas a ) e, assim, de sensibilidade de resposta a insulina que resulta em DM2, e que esse fenótipo não se correlaciona com o fato de ser magra, sobrepeso ou obesa.

Diagnóstico


O diagnóstico de DM1 ou DM2 é tipicamente feito quando se observa hiperglicemia de jejum ou casual, ou ainda valores elevados de hemoglobina glicada (HbA1c). O diagnóstico diferencial entre DM2 e DM1 é feito com base na capacidade de produção ou não de insulina respectivamente (medindo-se tanto insulina quanto peptídeo-C oriundo do processamento da pró-insulina), enquanto o diagnóstico de monogênica é feito com base em sequenciamento genético.

Na ocasião do diagnóstico de DM2 aberta, i.e., com base em hiperglicemia (de jejum, após teste de tolerância a glicose ou por HbA1c), o indivíduo já apresenta extensa perda de função β-pancreática e baixa secreção de insulina e amilina, que resultam em quadros hiperglicêmicos. Entretanto, existe uma fase anterior a fase hiperglicêmica, denominada diabetes subclínica7, que pode levar de 10 a 20 anos, em que o pâncreas aumenta a produção de insulina para compensar a resistência a sua ação (resistência insulínica)8. A fase subclínica de progressão do diabetes caracterizada por hiperinsulinemia pode ser avaliada por um simples exame de insulina de jejum9. Este ensaio retrata o quanto de insulina endógena estaria sendo necessário para manter o controle glicêmico no estágio de jejum, e funcionaria como um indicativo da função β-pancreática, seja exacerbada, normal ou deficiente.

QUADRO 3

DIABETES SUBCLÍNICA: é um estágio normoglicêmico associado a hiperfunção β-pancreática, sendo esta manifestada clinicamente pela hiperinsulinemia de jejum ou pós-prandial. Está associado a riscos elevados de comorbidades de DM2.


Terapia

Qual a terapêutica ideal para diabetes?

Para DM1, a busca pela cura está na busca da restauração de células β-pancreáticas, preferencialmente sem a necessidade de imunoterapia. A terapêutica atual encontra respaldo na efetiva reposição de insulinas rápida (prandial) e lenta (de jejum).

A preferência pelo tipo de insulina prandial, seja regular (idêntica a humana, mais barata) ou ultra-rápida (mais caras; ex: LisPro, Aspart), deve estar estritamente relacionado a preferências de tipo de alimentação, respectivamente com menor ou maior carga glicêmica (carbohidratos glicemiantes, como açucares e amido, o que também está tipicamente associado a menores e maiores demandas de doses de insulina10.


Para DM2, o ideal seria também sua reversão, o que requer abordar a etiologia da doença, ou seja, a resistência insulínica determinante da contínua progressão da disfunção β-pancreática. A melhor solução possível deve contemplar reverter a resistência insulínica e, para tal, medicação apenas não é suficiente, pois não reverte o impacto do panorama exposômico. Deste modo, o ideal seria transpor o seu próprio limiar individual de adiposidade por redução da adiposidade visceral, majoritariamente determinada por produção de triglicerídeos através da de novo lipogênesis (DNL), sendo a alta carga glicêmica – e frutose – seus substratos. E, para isso, nada melhor que uma intervenção através da mudança de hábitos alimentares para alimentos de menor carga glicêmica e maiores cargas de micronutrientes de abundância natural. Mas as intervenções não-farmacológicas encontram dificuldade devido a inevitabilidade social e econômica de acesso e preferência a alimentos de alta carga glicêmica. Associado à mudança de hábitos alimentares, uma farmacoterapia bem formulada pode ajudar em seu controle. A intervenção farmacológica deverá focar em aumentar a sensibilidade à insulina (metformina) e preferencialmente transpor o limiar individual de adipositade por diminuição da ingesta total de alimentos (incretinas) que levará a redução de energia para DNL. Fármacos que impeçam a metabolização de amido à glicose (acarbose) ou levem a excreção urinária desta (glifozinas) também favoreceria esses desfechos (lembrando que glifozinas apresentam riscos de acidose eugliêmica assim como de infecção fúngica renal).

Prevenção

Alguns estudos demonstraram que indivíduos com DM2 em estágios bem iniciais se beneficiavam de intervenção farmacológica e prorrogavam em alguns anos o seu aparecimento (DPPOS11, STOP DIABETES12). Ainda que tais estudos apontem relevância estatística e tenham demonstrado a importância de prevenção para evitar as complicações inerentes à doença, tais estudos não demonstram a capacidade de impedir a doença com as intervenções farmacológicas propostas, mas sim em postergar moderadamente (aproximadamente 7 anos) seu diagnóstico.


Seria de fato a farmacoterapia uma solução para DM2? Isoladamente parece que não, como visto pela falha em se atingir as metas terapêuticas no cuidado com diabetes a despeito dos avanços em novas terapias farmacológicas13.

Considerando-se que DM2 é hoje uma sindemia14,15,16 resultante da interação de epidemias diversas de desregulação exposômicas nutricionais e ambientais, torna-se importante tanto o diagnóstico precoce prevenir seja buscar orientação diagnóstica e uma abordagem multiterapêutica adequada sobretudo para aqueles em fatores de risco elevados.

QUADRO 4

SINDEMIA: Cunhado por Merrill Singer em 1996, significa a interação local ou global de epidemias que levam a um fenômeno sinérgico, de interação biológica e exacerbação de uma ou mais epidemia.

Mudanças consideráveis em estilo de vida (alimentação, exercício, sono, entretenimento) são portanto importantes tanto para a prevenção quanto para o controle e eventualmente remissão do DM217,18 reduzindo assim o risco de evolução a desfechos graves em saúde do indivíduo e para seu círculo social.



Luís Maurício Trambaioli é Farmacêutico e Doutor em Química Biológica/UFRJ. É Professor Titular da Faculdade de Farmácia da UFRJ e coordenador do "Laboratório de Biotecnologia Farmacêutica" - pbiotech, onde conduz pesquisa na área de diabetes, comorbidades e amiloidoses.

Referências:

1. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Diabetes. 2018. Disponível em: <https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/diabetes>.


2. CENTERS FOR DISEASE CONTROL ANS PREVENTION. National Diabetes Statistics Report. 2017. Disponível em: <https://www.cdc.gov/diabetes/pdfs/data/statistics/national-diabetes-statistics-report.pdf>.


3. WILD, Christopher Paul. Complementing the Genome with an “Exposome”: The Outstanding Challenge of Environmental Exposure Measurement in Molecular Epidemiology. 8. ed. American Association for Cancer Research, 2005.


4. GOLBERT, A. et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Paulo: Editora Clannad, 2017.


5. TAYLOR, Roy; HOLMAN, Rury R. Normal weight individuals who develop Type 2 diabetes: the personal fat threshold. 7. ed. Clinical Science, 2015.


6. HALES, C. N.; BARKER, D. J. P. Type 2 (non-insulin-dependent) diabetes mellitus: the thrifty phenotype hypothesis. 7. ed. Diabetologia, 1992.


7. LIMA, L. M. T. R. Subclinical Diabetes. 1. ed. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 2017.


8. TABAK, A. G. et al. Trajectories of glycaemia, insulin sensitivity, and insulin secretion before diagnosis of type 2 diabetes: an analysis from the Whitehall II study. 9682. ed. The Lancet, 2009.


9. AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Consensus Development Conference on Insulin Resistance. 1997. Disponível em: <https://care.diabetesjournals.org/content/21/2/310>.


10. LIPSKA, K. J.; HIRSCH, I. B.; RIDDLE, M. C. Human Insulin for Type 2 Diabetes: An Effective, Less-Expensive Option. JAMA, 2017.


11. DIABETES PREVENTION PROGRAM RESEARCH GROUP. Long-term effects of lifestyle intervention or metformin on diabetes development and microvascular complications over 15-year follow-up: the Diabetes Prevention Program Outcomes Study. 11. ed. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 2015.


12. ARMATO, J. P. et al. Successful treatment of prediabetes in clinical practice using physiological assessment (STOP DIABETES). 10. ed. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 2018.


13. KAZEMIAN, Pooyan et al. Evaluation of the Cascade of Diabetes Care in the United States, 2005-2016. JAMA, 2019.


14. SWINBURN, B. A. et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. 10171. ed. The Lancet, 2019.


15. SINGER, Merrill et al. Syndemics and the biosocial conception of health. 10072. ed. The Lancet, 2017.


16. LIMA, L. M. T. R. Insulin resistance underlying type 2 diabetes. 6. ed. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 2019.


17. TAYLOR, Roy; AL-MRABEH, Ahmad; SATTAR, Naveed. Understanding the mechanisms of reversal of type 2 diabetes. 9. ed. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 2019.


18. ATHINARAYANAN, S. J. et al. Long-Term Effects of a Novel Continuous Remote Care Intervention Including Nutritional Ketosis for the Management of Type 2 Diabetes: A 2-Year Non-randomized Clinical Trial. Frontiers in Endocrionology, 2019.

Este boletim foi produzido no Observium/Faculdade de Farmácia/Universidade Federal do Rio de Janeiro e não tem o objetivo de substituir qualquer conduta de profissional em atendimento individualizado. Leitores devem procurar seu agente de saúde para qualquer questão relacionada ou mesmo tratamento de rotina.

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