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HIV/AIDS: Quatro Décadas de Prevenção


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A edição deste mês do Boletim Observium traz diversos dados sobre a história do HIV/AIDS e seu tratamento, além da evolução e da importância da prevenção da infecção. Dados recentes do Ministério da Saúde mostram que de janeiro de 2007 até junho de 2018, 247.795 novos casos da infecção pelo HIV no país foram notificados, sendo 68,6% em homens e 31,4% em mulheres, além da preocupação com o crescente aumento do número de casos na população mais jovem1. O Boletim, escrito por Clarisse de Gusmão Castro e Maria Auxiliadora Oliveira, a convite do Observium, fornece dados sobre a “prevenção combinada”, estratégia que consiste no uso de vários métodos ao mesmo tempo pelo indivíduo como, por exemplo, o uso do preservativo, a PrEP e a PEP, visando um maior sucesso na prevenção da transmissão do vírus2.


Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) são aquelas que ocorrem principalmente através do contato sexual desprotegido (oral, vaginal ou anal), mas sua transmissão também pode acontecer da mãe para o filho durante a gestação, parto ou amamentação. Dificilmente falamos em ISTs sem lembrar do vírus HIV, causador da AIDS (doença desenvolvida a partir do enfraquecimento do sistema imunológico2 e que é responsável por milhares de casos em todo o mundo)3. Pensando em prevenção, duas estratégias que envolvem medicamentos utilizados no tratamento do HIV/AIDS, chamados de antirretrovirais, podem ser citadas: a Profilaxia Pré Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós Exposição (PEP)4. A PrEP se refere ao uso desses medicamentos antes da possível exposição ao vírus, mas não está disponível para toda a população, apenas para os seguintes públicos: gays e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, trabalhadores/as do sexo, pessoas que não usam constantemente a camisinha em suas relações sexuais (vaginais ou anais), pessoas que têm relação sexual desprotegida com companheiro soropositivo (infectado pelo HIV) que não esteja em tratamento e pessoas que usam a PEP ou que têm ISTs com frequência. É importante deixar claro que a PrEP não substitui o uso do preservativo4. A PEP, por sua vez, se refere ao uso de antirretrovirais durante 28 dias depois da possível exposição ao vírus e deve ser iniciado em até 72h do ocorrido, sendo uma medida emergencial. A PEP é utilizada quando há violência sexual, relação sexual desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha) e acidente de trabalho5.


Alguns serviços de saúde e organizações da sociedade civil realizam ações relacionadas com a assistência, prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV/AIDS, como distribuição de PrEP, PEP e estrutura de Centro de Testagem e Aconselhamento.


Caso deseje saber onde está a unidade de saúde mais próxima da sua residência que ofereça algum serviço relacionado ao HIV/AIDS ou outras ISTs, acesse e pesquise no link a seguir: http://www.aids.gov.br/pt-br/acesso_a_informacao/servicos-de-saude6.

Thainá Lopes Peixoto

Boletim quadrimestral do Observatório de Vigilância e Uso de Medicamentos, número 2, ano 3, Maio - Agosto 2019.

Corpo editorial: Elisangela da Costa Lima, Guacira Corrêa Matos, Paula Pimenta de Souza e Thiago Botelho Azeredo;

Revisão: João Pedro Castro Martinez Silva, Paula Pimenta de Souza e Thiago Botelho Azeredo;

Edição gráfica: João Pedro Castro Martinez Silva; Idioma: Português;

E-mail para contato: observium.ufrj@gmail.com


Um Breve Histórico de Quatro Décadas de Prevenção ao HIV

Clarisse de Gusmão Castro e Maria Auxiliadora Oliveira

Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz)

Vivemos hoje a quarta década da epidemia do HIV/AIDS e, apesar dos esforços, o número de novos casos da infecção pelo HIV preocupa e desafia governos, comunidade científica e sociedades, mundialmente. Dados de 2017 presentes no relatório “Global HIV & AIDS Statistics”7 mostram que 1,8 milhões de novas pessoas foram infectadas pelo vírus HIV em todo mundo, o que representa um novo caso a cada 17 segundos. Embora ainda seja um número bastante alto, se considerarmos os avanços tecnológicos e investimentos realizados até o momento, houve uma redução de 47% de novos casos de infecção do HIV comparados ao pico de 3,4 milhões de novos casos em 1996.


No ano de 2017, aproximadamente 37 milhões de pessoas em todo o mundo viviam com HIV, o que corresponde a populações inteiras de países como Canadá e o Iraque, por exemplo. Desse total, cerca de 22 milhões de pessoas acessaram a terapia antirretroviral no ano, o que representou um aumento significativo com base no ano 2000, quando apenas 611.000 pessoas tinham acesso ao tratamento8.


Considerando ainda os dados globais do relatório da UNAIDS, homens que fazem sexo com homens, pessoas usuárias de drogas injetáveis (UDI), mulheres profissionais do sexo e mulheres transexuais têm, respectivamente 22, 22, 21, 12 vezes mais chances de contrair HIV que a população geral. Essa tendência também já vinha sendo confirmada no Brasil em anos anteriores. TORRES e colaboradores afirmam que:

“A prevalência do HIV na população geral do Brasil foi de 0,4% em 2014. No entanto, em subpopulações específicas, essas taxas foram maiores. Estudos realizados entre 2008 e 2009 encontraram uma taxa de prevalência de HIV de 10,5% entre homens que fizeram sexo com homens (HSH). Outros estudos em cidades brasileiras também mostraram preva-lência de HIV em HSH em torno de 10% ou mais. Na população geral, a prevalência da AIDS manteve-se estável em menos de 1% ao longo dos anos, caracterizando o Brasil como país de epidemia concentrada. Isto significa que o HIV/AIDS está espalhado prin-cipalmente em populações específicas de maior risco, com taxas de prevalência superiores a 5% nestas subpopulções” (Tradução das autoras)9.


No Brasil, dados do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS, divulgados mais recentemente pelo Ministério da Saúde, mostram que de janeiro de 2007 até junho de 2018, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) 247.795 casos de infecção pelo HIV no Brasil. Tais casos estão concentrados principalmente nas regiões Sudeste (47,4%), Sul (20,5%) e Nordeste (17%). Dados totais do período mostram que 68,6% dos casos acometem o sexo masculino e 31,4% o sexo feminino. Ao compararmos a razão de sexos (masculino/feminino) no período de 10 anos (2007 a 2017), verificamos que ela passou de 1,4 para 2,6, ou seja, de 14 homens para cada 10 mulheres, em 2007, para 26 homens para cada 10 mulheres, em 2017.


Uma preocupação que o boletim evidencia é o aumento do número de casos entre a população jovem. Entre os casos notificados, o percentual de jovens do sexo masculino nas idades entre 15 a 19 anos, passou de 2,4% (105 jovens) em 2007 para 5,6% (1724 jovens) em 2017; entre as idades de 20 a 24 anos, passou de 13,1% (561 jovens) em 2007 para 21,8% (6670 jovens) em 2017; e entre as idades de 25 a 29 anos, passou de 18,5% (795 jovens) em 2007 para 20,8% (6368 jovens) em 2017. O percentual nas idades entre 30 a 34 anos apresentou uma redução no comparativo entre os anos e apresentou uma redução em aproximadamente três pontos percentuais, apesar dos números absolutos de novos casos serem muito altos para essa faixa etária (4758 jovens em 2017). De acordo com MALTA e colaboradores, impressiona:


“[...] percebermos que jovens nascidos na chamada era pós-Aids – aqueles que cresceram e iniciaram sua vida sexual após o advento da AIDS, tendo sido, supostamente, exposto a mensagens de prevenção desde cedo -, ainda representa 40% dos novos casos de AIDS, após mais de duas décadas da epidemia”10.

O boletim evidencia ainda, um constante aumento do número de casos de infecção pelo HIV notificados no SINAN no mesmo período. Em 2007 foram registrados 7.290 casos e durante os demais anos houve aumentos significativos nos registros, com destaque para os anos de 2013, 2014 e 2015. Uma possível explicação para o aumento do número de casos a partir de 2013 seria a falta de incentivo e censura a campanhas educativas e preventivas ao HIV, por parte do Governo Federal. De acordo com BELOQUI e TERTO JR a aproximação com setores e partidos mais conservadores, principalmente com a bancada evangélica, fizeram com que pautas essenciais da saúde pública não fossem enfrentadas com a devida importância11. Outro fator, que também pode ter contribuído para esse aumento, foi o fato de que a partir de 2014, o registro no SINAN das ocorrências de casos de infecção pelo HIV passou a ser compulsória1.


Baseado nos dados apresentados, podemos concluir primeiramente que os números obtidos podem ainda estar subdimensionados. Possíveis subnotificações colocam o desafio ao enfrentamento da epidemia no Brasil num cenário ainda mais grave, no qual políticas e estratégias de prevenção precisam dar respostas mais eficazes voltadas principalmente para as populações mais vulneráveis ao HIV.


Estratégias de prevenção

Atualmente, um levantamento bibliográfico realizado acerca da temática da prevenção do HIV no Brasil, levando em conta quase quatro décadas da epidemia, evidenciou que podemos separar as respostas e estratégias desenvolvidas, tanto no Brasil como globalmente, em dois campos de intervenções: o primeiro centrado nas ações de mudanças comportamentais e o segundo centrado em abordagens biomédicas e novas tecnologias.


Para melhor entender o cenário atual das políticas de prevenção do HIV no Brasil, no tocante ao primeiro campo de intervenções é importante retomarmos a década de 80, quando as primeiras ações de prevenção tornaram-se prioridades. De acordo com PIMENTA, as primeiras políticas de prevenção foram implementadas por meio de:


“projetos e propostas para o controle da nova epidemia, compreendida através de uma visão puramente epidemiológica, que relacionou a AIDS com certos grupos de populações e com portamento de risco conexos e pelo contexto da responsabilidade individual de se prevênir”12.


O início da epidemia, segundo AYRES, foi marcado pela “equação infecção pelo HIV igual à morte” em um contexto no qual a AIDS foi caracterizada socialmente como uma enfermidade contagiosa, incurável, mortal e vinculada principalmente aos homossexuais13. Nessa conjuntura, foram desenvolvidas ações e campanhas baseadas no terrorismo, na abstinência de práticas e isolamento e ao passar dos anos tais ações foram percebidas como possíveis impulsionadoras do que o autor considera como dois dos mais perniciosos componentes da epidemia: a discriminação e o preconceito.


No mesmo sentido, OLIVEIRA, recupera o que o autor DANIEL identificou como “morte civil” das pessoas que eram diagnosticadas com o vírus do HIV14. Antes das consequências biológicas causadas pela enfermidade, a pessoa diagnosticada com o vírus do HIV sofria de imediato um processo de desapropriação de sua cidadania. Diversas reações sociais como o isolamento, hostilidade e preconceito, causadas pelo medo da infecção, pela associação da enfermidade à morte e pela falta de conhecimento da cura ou tratamento eficaz, inseriram as organizações e grupos sociais na trajetória da resposta à epidemia.


As organizações e grupos sociais, principalmente aqueles ligados à defesa dos direitos dos homossexuais, desempenharam um importante papel na luta contra HIV/AIDS e questões sociais relacionadas no Brasil e no mundo. A proposição do uso do preservativo como estratégia de prevenção surge nos anos 80, como resistência do movimento gay dos Estados Unidos da América às políticas propostas pelos órgãos de Saúde Pública. Essas políticas estavam calcadas na abstinência do sexo e das drogas e isolamento de grupos estipulados por dados epidemiológicos como aqueles com comportamentos de risco15. Até os dias atuais o uso do preservativo continua sendo a estratégia mais acessível e disponível em todo o mundo para a prevenção do HIV e demais infecções sexualmente transmissíveis.


Outra política que gerou controvérsias em diversos segmentos da sociedade foi a política de redução de danos mediante oferecimento de seringas descartáveis para usuários de drogas injetáveis. Tais políticas foram desenvolvidas no Brasil no final da década de 80, a partir do pioneirismo da cidade de Santos, que posteriormente influenciou a política Nacional de Redução de Danos.

O ambiente brasileiro, ao final da década de 80 e início de 90, no que se refere à luta e reivindicações pela redemocratização e direitos, contribuiu favoravelmente para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS, quando criou condições para o fortalecimento da mobilização social, de associações e de organizações não governamentais.


Nos anos 90, a construção do conhecimento compartilhado entre os diversos atores envolvidos, proporcionou um melhor entendimento sobre a doença, suas terapias e, sobretudo, “novas abordagens embasadas na construção social e cultural da sexualidade e do conceito de vulnerabilidade”12.


No que se refere ao segundo campo de intervenções, as intervenções biomédicas, os anos 90 também receberam algumas iniciativas que se desdobraram e ainda podem se desdobrar em outras iniciativas futuras. No âmbito internacional, a parir do ano de 1992, o Brasil se integrou a outros países no esforço do desenvolvimento de vacinas anti-HIV ligado à OMS. Internamente, também criou o Comitê Nacional de Vacinas anti-HIV, no qual foram selecionados três centros de pesquisas no país para desenvolver pesquisas nas áreas epidemiológicas, sócio comportamentais, clínica e laboratorial12.


Em meados dos anos 90, foi desenvolvido um importante estudo que abriu portas para o investimento na utilização de antirretrovirais como prevenção. Esse estudo, conhecido como ACTG 076, foi desenvolvido como uma pesquisa clínica para avaliar a redução da transmissão vertical do HIV entre mães gestantes infectadas e seus filhos. A pesquisa consistiu na utilização do antirretroviral Zidovudina (AZT) para as mulheres durante a gestação e o parto e para o bebê durante seis semanas após o nascimento. A pesquisa clínica comprovou a capacidade de redução da transmissão vertical em dois terços16.


Nas décadas seguintes houve muito investimento para desenvolver respostas biomédicas utilizando a profilaxia na prevenção do HIV e enfrentamento da epidemia. Esse movimento também fez parte de uma estratégia global envolvendo cientistas, indústrias, grandes fundações e governos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), cujo sexto objetivo previa o “combate da AIDS, malária e outras doenças”17.


PARKER, na abertura do 8° Encontro Estadual de ONGS AIDS do Rio de Janeiro, apresenta reflexões importantes sobre o discurso do fim da AIDS atrelado a nova era de respostas biomédicas em substituição às respostas sociais e políticas. Considera que as novas tecnologias podem ser classificadas em três categorias: as novas tecnologias ainda em fase de desenvolvimento; as tecnologias e técnicas antigas aprimoradas; e as novas tecnologias disponíveis, mas que dependem de questões políticas, econômicas e sociais para serem amplamente acessíveis. Dessa forma, PARKER afirma que:


“as tecnologias e técnicas biomédicas só serão colocadas em prática a partir de questões eco- nômicas, decisões políticas, processos sociais e valores culturais que determinarão a possibili- dade de disponibilizar ou não essas tecnologia as, assim, chamar estas opções de abordagem biomédica simplifica o que é de fato uma questão política e social”18.


De acordo com Alexandre Granjeiro em entrevista à ABRASCO, “as principais soluções para o enfrentamento da epidemia, na atualidade, vêm do campo da ciência e da saúde pública e têm dificuldade para encontrar amplos ecos na sociedade”. O vínculo entre antigas vulnerabilidades individuais e sociais, com a expansão das liberdades e de novas formas de reconhecimento e expressão da sexualidade, traz a necessidade da absorção de novos modelos e alternativas de prevenção para minimizar os riscos e maximizar o prazer no contexto atual de diversão e drogas19.

Neste contexto, a estratégia conhecida como “prevenção combinada” tem um papel extremamente importante. Segundo o médico infectologista Ricardo Vasconcelos em entrevista a VARELLA o termo possui dois sentidos: o primeiro denota um acordo entre o individuo e ele mesmo, e entre o indivíduo e seu parceiro para a utilização da melhor forma de prevenção considerando seu comportamento; e o segundo significa a associação de métodos preventivos para aumentar as possibilidades prevenção20.


Atualmente, uma das principais frentes de prevenção em muitos países é a utilização do tratamento como prevenção (TasP), pois demonstraram que:


“uso de medicamentos antirretrovirais faz com que as pessoas vivendo com HIV/AIDS alcan cem a chamada “carga viral indetectável”. As evidências científicas também mostram que pessoas vivendo com HIV/AIDS que possuem carga viral indetectável, além de ganharem uma me lhora significativa na qualidade de vida têm uma chance muito menor de trans mitir o vírus à outra pessoa”8.


Dessa forma, algumas estratégias globais baseadas no Tratamento como Prevenção (TasP) foram desenvolvidas como políticas públicas em alguns países. A estratégia “Testar e Tratar”, por exemplo, consiste em aumentar o número de pessoas sendo testadas para que as que forem diagnosticadas como portadoras do vírus HIV sejam encaminhadas imediatamente para tratamento com antirretrovirais. Portanto, a política pretende ter o maior número de pessoas sendo tratadas, o mais cedo possível, mantendo suas cargas virais baixas ou indetectáveis e assim diminuir a transmissão do vírus a outras pessoas.

PEP (Profilaxia Pós-Exposição) e PrEP (Profilaxia Pré-Exposição)

Outras estratégias utilizam medicamentos como forma de prevenção e já foram implementadas ou avançam nesse sentido em vários países. São elas: PEP (Profilaxia Pós-Exposição) e PrEP (Profilaxia Pré-Exposição). A primeira estratégia conhecida como PEP, consiste na utilização durante 28 dias de medicamento antirretroviral em até 72 horas após o indivíduo ter sido exposto ao risco de infecção ao HIV. Alguns riscos considerados são: violência sexual, relação sexual desprotegida, acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou contato direto com material biológico), entre outros. A segunda estratégia, é a PrEP, que consiste na utilização diária do medicamento Truvada® (combinação de tenofovir e entricitabina) para impedir a infecção pelo vírus do HIV antes da pessoa ter contato21.


Tais estratégias são baseadas em uma série de estudos que foram desenvolvidos no Brasil e no mundo desde a segunda década da epidemia. Os estudos clínicos do ACTG 076, como visto anteriormente, alavancaram outras pesquisas com a utilização da profilaxia também para profissionais de saúde que se infectassem com materiais perfurocortantes e mulheres vítimas de violência sexual. Após a constatação da eficácia da prevenção nesses estudos, foi realizado o HTPN 052, no Brasil e em outros países do mundo, para verificação do uso de antirretrovirais na prevenção ao HIV entre casais sorodiscordantes16.


Em decorrência desses estudos, a profilaxia pós-exposição (PEP) para profissionais de saúde envolvidos em acidentes de trabalho com materiais possivelmente contaminados pelo HIV e para vítimas de violência sexual, foi implantada no SUS, e posteriormente, o tratamento passou a incluir qualquer exposição sexual ao risco16.

O próximo passo nesse sentido foi uma pesquisa multinacional conhecida como IPrEX (Iniciativa à Profilaxia Pré-Exposição), que tinha como objetivo a avaliação da segurança e eficácia da utilização oral, diária da combinação entricitabina (FTC) e tenofovir (TDF) para a prevenção entre homens e mulheres transexuais que fazem sexo com homens. A pesquisa, iniciada em 2007, envolveu aproximadamente 2.500 pessoas com alto risco de adquirir a infecção pelo HIV, em 6 países: Brasil, África do Sul, Equador, Estados Unidos, Peru e Tailândia. O estudo demonstrou uma redução de 44% no risco de infecção pelo HIV ao comparar o grupo que utilizou a combinação do medicamento e o grupo que utilizou placebo como evidenciado por GRANT22.


O estudo também demonstrou que houve uma redução de 92% nas infecções pelo HIV quando comparados àqueles voluntários sem nível detectável da combinação dos medicamentos na visita do estudo anterior à soroconversão. E ainda uma eficácia de 72,8% nos participantes que aderiram ao medicamento, com a utilização de 90% ou mais dos dias da duração da pesquisa.23 Após a publicação e notoriedade do estudo, o FDA aprovou a utilização do medicamento Truvada® para a prevenção ao HIV e posteriormente a própria OMS faz recomendação do uso do mesmo medicamento para esse fim.


De 2014 a 2016, o Brasil coloca em prática o estudo conhecido como PrEP Brasil com intuito de avaliar a aceitação, a viabilidade e a melhor forma de oferecer o medicamento à população brasileira como prevenção da infecção pelo HIV no SUS. O estudo acompanhou por aproximadamente 3 anos, 500 homens inseridos na população já mencionada anteriormente em três cidades do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre)24.


De acordo com a página na internet da OPAS, ao final do estudo foi estabelecido um comitê de especialistas técnico-científicos para desenvolver diretrizes para a PrEP e posteriormente, convidados representantes da sociedade civil organizada para discutir o plano de implementação nacional da PrEP25.


Segundo informações do Ministério da Saúde, a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), é indicada para a população identificada como a que tem maior chance de entrar em contato com o HIV: para homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas trans e trabalhadores(as) do sexo e ainda para pessoas que frequentemente deixam de usar preservativo; casais sorodiscordantes; pessoas que fazem uso repetido de PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV) e pessoas que apresentam episódios frequentes de infecção sexualmente transmissível (IST). Para que a estratégia seja efetiva e a pessoa esteja devidamente protegida, o medicamento deve ser utilizado diariamente, sendo necessário o início da utilização 7 dias antes da relação anal e 20 dias antes relação vaginal. Os usuários da PrEP precisam ainda fazer o acompanhamento com o profissional do serviço e testagem a cada três meses26.


Em maio de 2017, a Anvisa aprovou a utilização do medicamento para fins de prevenção e a partir de uma incorporação gradual (primeiramente em 11 estados, e a partir de maio de 2019 aos demais) o medicamento passou a ser ofertado pelo SUS27. Em 2018 inicia então o projeto de implementação (ImPrEP) com duração de três anos e realizado por um consórcio constituído por centros de pesquisa e ministérios da saúde de três países (Brasil, México e Peru) e pretende beneficiar 7500 pessoas28.


Apesar dos avanços nas estratégias de prevenção biomédicas, os novos métodos ainda não são de conhecimento ou não estão amplamente disponíveis à população. PARKER afirma que para pensarmos o futuro da prevenção no Brasil é preciso revisitar as ações de sucesso do passado. O autor destaca o conjunto de quatro lições aprendidas sobre a prevenção:


São elas: a arte de cuidar; a construção da solidariedade; a invenção do sexo seguro e por fim a relevância do ativismo cultural como ato político de transformação29.


Em todas essas lições apresentadas, as organizações não governamentais desempenharam papel fundamental. As ONGs/AIDS - como se autodenominaram – formularam sua atuação em quatro eixos estruturantes: ativismo, ajuda mútua, solidariedade e defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS.


No final de 80 e início de 90, houve a estruturação e fortalecimento do “movimento AIDS” no Brasil. Muitas iniciativas e novas formas de influenciar e fazer política foram desenvolvidas, porém a partir do final da primeira década dos anos 2000, várias organizações começam a enfrentar uma situação financeira bastante crítica. Segundo um manifesto assinado por diversas ONGs/AIDS a crise se deu pelo recuo do financiamento da cooperação internacional com origem na “crise financeira internacional dos países desenvolvidos e a nova projeção do Brasil no cenário internacional”. Na medida em que o Brasil passa a ser reconhecido como país emergente, de renda média e de grande influência nas políticas de combate ao HIV/AIDS, o financiamento começa a ficar mais escasso.


Apesar de ainda existirem importantes iniciativas acontecendo no Brasil, muitas ONGs/AIDS vem trabalhando e produzindo conhecimento com bastante dificuldade, pela falta de recursos financeiros. Ao considerarmos ainda o aumento da infecção em jovens e as perspectivas do desmantelamento das políticas governamentais de educação sexual, de prevenção e tratamento do HIV/AIDS, já sinalizadas pelo novo governo, o trabalho das organizações da sociedade civil se mostrará cada vez mais essencial na resposta contra a epidemia.


Clarisse de Gusmão Castro possui graduação em Relações Internacionais e atualmente cursa mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) na área de Políticas, Planejamento, Gestão e Cuidados em Saúde, onde desenvolve o pesquisa “Ativismo e a política da profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) no Brasil”, sob orientação de Maria Auxiliadora Oliveira, pesquisadora do Departamento de Políticas de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, da ENSP/Fiocruz.

Referências Bibliográficas

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21. PrEP Brasil - Projetos pelo Mundo. , [s.d.]. Disponível em: <http://prepbrasil.com.br/projetos-pelo-mundo/>. Acesso em: 28 jan. 2019

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26. DEPARTAMENTO IST, HIV/AIDS E HEPATITES VIRAIS. Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/prevencao-combinada/profilaxia-pre-exposicao-prep>. Acesso em: 29 mar. 2019.

27. ANVISA, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Aprovado uso do Truvada para a prevenção do HIV - Notícias. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/truvada-podera-ser-usado-na-prevencao-do-hiv/219201/pop_up?_10%E2%80%A6%201/1>. Acesso em: 11 dez. 2018.

28. DEPARTAMENTO IST, HIV/AIDS E HEPATITES VIRAIS. ImPrEP é tema de duas reuniões. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pt-br/noticias/imprep-e-tema-de-duas-reunioes>. Acesso em: 29 mar. 2019.

29. PARKER, R. A reinvenção da prevenção no século XXI: o poder do passado para reinventar o futuro. Boletim ABIA, A reinvenção da prevenção no século XXI. n. 61, p. 13–22, dez. 2016.

Este boletim foi produzido no Observium/Faculdade de Farmácia/Universidade Federal do Rio de Janeiro e não tem o objetivo de substituir qualquer conduta de profissional em atendimento individualizado. Leitores devem procurar seu agente de saúde para qualquer questão relacionada ou mesmo tratamento de rotina.


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