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Entrevista sobre o projeto Farmacannabis

A Prof. Dra Virgínia Martins Carvalho é docente da Faculdade de Farmácia da UFRJ e coordenadora do Projeto Farmacannabis. Em entrevista ao Observium, ela destaca como nasceu o projeto e o quanto a sua aprovação e execução necessitam de um processo constante de desconstrução ideológica.

Observium: Como nasceu o projeto Farmacannabis?

Virgínia Carvalho: Como professora adjunta recém empossada na Faculdade de Farmácia na área de Toxicologia precisava estabelecer uma linha de pesquisa e extensão própria e, preferencialmente, diferente das linhas trabalhadas no mestrado e doutorado (toxicologia forense), que são linhas idealizadas pelo orientador. Minha formação em Toxicologia Social e Análises Toxicológicas e a participação em obra sobre aspectos sociais, clínicos e toxicológicos da Cannabis, organizada pelo Departamento de Toxicologia da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional da Colômbia (grupo com o qual colaboro), me estimulou a pesquisar o tema. Comecei a orientar Trabalhos de Conclusão de Curso sobre o tema e busquei parceiros na UFRJ pela afinidade acadêmico-filosófica. Participei do evento Maconha Medicinal promovido pela Fiocruz na Escola de Magistratura do RJ em meados de 2015 e busquei o Prof. João Menezes, neuroanatomista do Instituto de Ciências Biomédicas, ativista pela legalização da Cannabis, ligado aos movimentos sociais e que foi palestrante. No mesmo evento conheci a Margarete, presidente da APEPI (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal).

Em janeiro de 2016, Prof. João Menezes me convidou a conhecer a Associação Brasileira para a Cannabis (ABRACannabis) que vinha fazendo um trabalho educacional com os pacientes ensinando técnicas de cultivo e preparação de extrato. A Margarete também era associada e pela aproximação dela junto com a APEPI e ao Abracannabis me aprofundei na realidade social dos pacientes em tratamento com Cannabis, a maioria crianças portadoras de epilepsia refratária. Associei-me como farmacêutica voluntária e conheci o Eduardo Faveret, médico neuropediatra, que atende diversas crianças da APEPI.

Nas reuniões semanais e oficinas de preparação de extrato na casa de pacientes, me dei conta que havia um universo de conhecimento empírico, mas sem metodologia científica e recursos experimentais para comprovar, compreender e transformar aquele conhecimento de cultivadores usuários, de mães e pais de pacientes e também do conhecimento clínico do médico. Ninguém fazia ideia das concentrações de canabinóides dos extratos e supunham a composição de THC (tetrahidrocanabinol) e CBD (canabidiol) apenas pelo efeito clínico, baseado na premissa que THC causa estímulo/euforia e CBD diminui a ansiedade e causa sonolência.

Todos, mães e pais de pacientes, pacientes, usuários sociais e médicos tinham o mesmo anseio, saber qual a concentração dos canabinóides nos extratos artesanais e importados (os importados são todos registrados como suplementos alimentares). Além disso, sempre me convidavam para acompanhar e supervisionar as oficinas de preparação de extrato, por ser farmacêutica. Além disso, várias mães ficam apreensivas por não saberem as interações medicamentosas ou alimentares e os efeitos adversos. A partir dessa experiência com as associações e do contato direto com os pacientes, cultivadores e usuários sociais/recreacionais foi sendo idealizado o projeto.

Em meados de 2016, a Margarete, representando a APEPI, conseguiu uma reunião com o então presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, para levar a demanda de várias crianças que necessitam de extrato de Cannabis para controle de crises convulsivas. Eu, João Menezes e Eduardo Faveret fomos convidados, representando respectivamente, a UFRJ, a diretoria da Abracannabis e o Instituto Estadual do Cérebro-RJ. A partir dessa reunião foi constituído um grupo de trabalho (GT), do qual nós participamos junto com pesquisadores da Fiocruz. O GT tem como foco a produção nacional de um fitomedicamento à base de Cannabis, destinado ao tratamento da epilepsia.

Juntando minha necessidade de estabelecer uma linha de pesquisa e extensão na UFRJ, atender aos objetivos do GT da Fiocruz e cumprir minha missão como farmacêutica nasceu o Farmacannabis, projeto de extensão universitária que conta com diversos colaboradores docentes e discentes.

Observium: Quais os objetivos do Farmacannabis?

Virgínia Carvalho: O projeto tem como objetivos oferecer atenção farmacêutica aos pacientes em tratamento com Cannabis; determinar as concentrações de canabinóides em extratos artesanais e importados; dar suporte farmacêutico para o cultivo e a preparação de extratos medicinais de Cannabis; produzir material informativo e de educação e novos conhecimentos sobre a terapia com Cannabis.

Observium: Quais os desafios para a realização deste projeto no país, uma vez que a Cannabis não tem seu uso para fins medicinais autorizado no Brasil?

Virgínia Carvalho: Os principais desafios são a proibição do uso da planta e o preconceito gerado. A proibição torna os padrões de referência muito caros e a obtenção muito burocrática e difícil. A aprovação do projeto e sua execução necessitam de um processo constante de desconstrução ideológica.

Observium: Existem outras instituições envolvidas no projeto?

Virgínia Carvalho: Sim, a Fiocruz e as associações APEPI e ABRACannabis.

Observium: Qual o papel da UFRJ na pesquisa do uso medicinal da Cannabis? E como se dá o trabalho interinstitucional com a Fiocruz?

Virgínia Carvalho: Traçar o perfil dos pacientes e da farmacoterapia. Vamos determinar o que está sendo administrado e as respostas clínicas. Assim, serão obtidas informações prévias sobre doses utilizadas e respostas clínicas. Obteremos informações sobre as variedades de Cannabis que estão sendo utilizadas e os teores de canabinóides. Saberemos qual o rendimento médio em relação à quantidade de planta e produção de extrato.

O trabalho interinstitucional se dá pela minha participação no GT e é garantido pela carta de apoio que contribuiu para a aprovação do projeto na UFRJ. Atualmente, estão sendo estabelecidas parcerias específicas para análise de contaminantes.

Observium: Como o projeto pode contribuir para a segurança dos pacientes em uso de Cannabis no país?

Virgínia Carvalho: Vamos saber o que está sendo utilizado e investigar as reações adversas. Além disso, ao oferecer um ambiente para produção do extrato sob supervisão de farmacêutico, o paciente aprende a produzir seu extrato de maneira segura e padronizada.

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