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A relevância dos observatórios de vigilância e uso de medicamentos integrados - Dr. Albert Figueras

O Dr. Albert Figueras é professor titular da disciplina de Farmacologia e Terapêutica da Universidade Autônoma de Barcelona e pesquisador da Fundació Institut Català de Farmacologia (FICF), Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a pesquisa e capacitação em farmacoepidemiologia. Em entrevista ao Observium, o professor destaca seu entendimento sobre o papel e relevância do acompanhamento do consumo de medicamentos e seus efeitos, por meio de grandes bases de dados. A estrutura de observatórios, especialmente em parcerias internacionais e entre academia e autoridades regulatórias, tem grande potencial.

Guacira Corrêa de Matos: Em uma conferência sua, o senhor afirmou que o futuro das múltiplas estruturas que se ocupam da investigação e informação sobre o uso e os efeitos dos medicamentos será se converterem em observatórios.

Na sua visão, em que consiste um observatório de medicamentos, quanto às funções e às possibilidades de atuação?

Dr. Albert Figueras: Temos vários problemas com os medicamentos, e muitos destes problemas são associados a um uso inadequado. É possível tentar identificar o problema em nível do usuário individual, mas as vezes o problema potencial é desconhecido pelo prescritor ou pelo farmacêutico. Neste contexto, a análise de grandes quantidades de dados de forma conjunta (o chamado de big-data) pode levantar problemas relevantes para a construção de intervenções conjuntas.

Assim, um medicamento X pode ser prescrito para um paciente que não deveria ter recebido esse fármaco (por exemplo, pelo fato de ser idoso e estar contraindicado, por ter insuficiência renal e ser nefrotóxico, por estar recebendo outro medicamento incompatível, ou por ter um grau de doença que não é considerado nos protocolos ou guias para tratar a enfermidade em questão). Às vezes, este uso não é só de um paciente, mas é moda. Nestes casos, é interessante poder identificar o problema e preparar ações para tentar mudar o hábito de prescrição ou automedicação e, deste modo, evitar toxicidade ou sobremedicação desnecessária.

Guacira: Poderia nos dar algum exemplo?

Dr. Albert Figueras: O uso de psicofármacos em idosos tem inúmeros efeitos indesejáveis, como quedas com fratura de quadril devido à diminuição dos reflexos, problemas de equilíbrio e alterações da visão devidas a idade e pioradas com esses fármacos. O uso pontual poderia ser necessário, mas com frequência a pessoa continua o tratamento além da necessidade. As vezes outro psicofármaco é adicionado, e o idoso toma ainda um terceiro fármaco para sua doença de base que pode interagir com um dos psicofármacos. Quando temos a possibilidade de analisar bancos de dados de consumo ou bancos de dados de histórias clínicas de pacientes no contexto de um observatório, abre-se a porta para perceber fatos surpreendentes, como a elevada porcentagem de uso de benzodiazepínicos e antidepressivos conjuntamente, ou identificamos um uso excessivamente elevado de antipsicóticos em residências para a terceira idade. Esse não é um uso pontual, é uma moda, mas uma moda com efeitos nocivos para a população, que exige uma ação coordenada das autoridades sanitárias e da academia para tentar mudar esse hábito irracional.

O mesmo acontece em outras situações cujas consequências deveriam ser estudadas. Uma delas é o uso quase compulsivo (e com frequência, desnecessário) de “protetores gástricos”, como omeprazol e outros inibidores de bomba de prótons. Outra são as características do uso (e abuso) de metilfenidato fora das indicações aprovadas. Outro caso é a tendência de usar antibióticos para secreção catarral e doenças de origem viral. Sua dispensação sem receita está proibida, mas é um fato corriqueiro que deveria ser quantificado.

Guacira: Como os observatórios contribuem para minimizar este problema?

Dr. Albert Figueras: Um observatório de vigilância e uso de medicamentos pode permitir vincular dados de consumo de diferentes fontes com os dados de farmacovigilância. Permite também vincular dados de histórias clínicas de pacientes com um elemento imprescindível em qualquer observatório, a inteligência clínica de um conjunto de profissionais, como médicos, farmacêuticos, farmacologistas e farmacoepidemiologistas, na “cozinha” da informação, no desenho da busca de dados e na sua análise e interpretação.

Ter um observatório é um avanço importante, mas o instrumento não serve de nada se não dispuser de uma equipe informada, atualizada e perspicaz para olhar de forma crítica e inteligente esses dados.

Guacira: Como o senhor vê a perspectiva de integração de instituições nacionais e internacionais em redes observatório?

Dr. Albert Figueras: Um grupo de pesquisa ou um governo pode fazer um investimento importante para construir um observatório moderníssimo no alto do morro ou comprar o melhor telescópio do mercado. Mas se não conta com a pessoa que sabe que é necessário tirar a capa para poder olhar alguma coisa, se ninguém sabe onde apontar o telescópio para procurar alguma estrela, ou como se podem proteger as lentes do pó e da sujeira, todo este esforço servirá de pouco.

Um observatório de medicamentos tem um problema semelhante. Recentemente, no Brasil o Tribunal de Contas da União identificou falhas no sistema de vigilância dos medicamentos depois da comercialização por parte da Anvisa: as avaliação e integração das notificações de reações adversas procedentes de todos os estados não é ideal, não está bem integrada e, portanto, seu estudo e a identificação potencial de sinais fica longe da situação ótima.

Temos ferramentas! O mundo está cada vez mais digitalizado e temos sistemas potentes com capacidade para processar quantidades extraordinárias de variáveis ao mesmo tempo. Mas é imprescindível que todos esses bancos de dados (observatórios, no sentido amplo), possam “falar” entre eles. Isso não significa integração ou perda da independência; isso significa poder “falar”, poder juntar e fazer análises conjuntas para ter mais força.

Vou colocar um exemplo: um medicamento novo (e, portanto, com um perfil de toxicidade desconhecido) produz um caso de hepatite fulminante em cada milhão de usuários. É uma frequência muito baixa, no entanto a reação é mortal. Um observatório baseado no estado do Rio de Janeiro poderia identificar um caso ou no máximo dois, se um milhão de pessoas recebem este fármaco. Mas se o fármaco é novo, isso é pouco provável. Portanto, o “caso” ficaria esquecido como uma pessoa que sofreu uma doença de fígado e morreu. Mas se temos um observatório que permite uma análise conjunta no nível do Brasil ou da América Latina, ou do mundo, seria possível identificar 10, 100 casos de pacientes expostos a esse fármaco novo que apresentaram uma hepatite fulminante. Isso já é suficiente para criar conhecimento e alertar sobre esse medicamento. O Programa Internacional de Farmacovigilância da OMS tenta fazer isso, mas nem sempre é tão eficaz. Agora, estes sistemas complementados com observatórios locais do uso de medicamentos, que possam associar dados de consumo com dados de toxicidade, multiplicariam o potencial de forma extraordinária. Esse é o verdadeiro objetivo.

Revisão: Paula Pimenta de Souza e Thiago Botelho Azeredo.

Publicado em: 22 de dezembro de 2016.

Como citar: Matos, Guacira Corrêa (2016). A relevância dos observatórios de vigilância e uso de medicamentos integrados. Entrevista com Albert Figueras em 28 de novembro de 2016. Disponível em: <http://observiumufrj.wixsite.com/observium/entrevistas>

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